domingo, 29 de janeiro de 2017

Os traumas de crinaça.





Sempre que voltamos ao passado e revivemos aqueles momentos que já esquecemos, sentimo-nos como se estivéssemos fora desse quadro repugnante. Foi o que aconteceu, hoje, quanto abri o meu diário.
Esta postagem poderia ter muitos títulos, mas escolho este. Não sei porquê, mas está implícito no texto.

Quarta, 12 de Julho de 2005

Acordo cedo. Olho e o Fernando Pedro já se esgueirada da cama. Está a olhar para mim com um sorriso maroto. - Adoro ver-te dormir. Estás linda. Essa camisa cheia de flores e tão fresca, fica-te bem.
Pergunto se está bem e ele responde que sim. Diz que já resolveu o problema da filha. Mas vai fazê-la sofrer até começar o ano escolar. Não quero saber como é. Tenho tanto receio da sua mente!!! Mas ele continua a dizer que vai fazer com que a filha pense que caminhará todo o tempo para Lisboa até finalizar o ano que chumbara. Eu acho uma tirania, mas ele diz que ela tem que aprender para estudar mais. Ele é o pai e eu não riposto.
Tomamos banho muito animados.
Descemos ao rés-do-chão para tomarmos o pequeno-almoço.
Penso que a sala deve estar cheia, mas a minha surpresa é grande. Ninguém a não sermos nós. Silêncio profundo. Nem ele nem eu falamos.
Saímos para a rua e entramos no carro. Ele sobe a rua. A retunda é logo ali, já que a residencial é a primeira  casa da rua. Na retunda está a GNR que o manda parar. Fico aflita. O carro é do meu marido. O guarda aproxima-se e pergunta se ele não viu o sinal. Qual sinal, Senhor guarda? Isto é uma retunda... Diz o Pedro com uma ingenuidade que parece ser genuína. O guarda aponta para uma placa que está em frente à residencial. É proibido subir a rua. Eu estou cheia de medo. O Pedro nem por isso. Está confiante e diz que chegou já de noite e não viu o sinal. Pede desculpa e diz que não volta a acontecer. O guarda bate a pala e manda-nos seguir. É aí que eu penso, pela primeira vez, que ele tem um pacto com o diabo.
Mas não articulo palavra.
De repente, dá-me uma vontade de falar nos traumas da minha infância. Ainda hoje me pergunto por que o fiz. Não tinha razão para isso. Eles estavam adormecidos em mim.
Mas falo, falo, falo. No fim sinto-me arrependida, mas o mal está feito. Espero a reação dele.
O Pedro entra na floresta densa e caminhamos ao acaso enquanto ele me ouve. No final, pára o carro, apanha as minhas mãos e diz para eu não ter medo porque ele está comigo. Nunca me irá deixar, acrescenta. Diz o quanto me ama, me quer e me deseja.

Voltamos para São Pedro e vamos almoçar num restaurante no meio da rua que dá para a praia. Ficamos ali até perto das quinze horas.
Saímos e damos uma volta por São Pedro sem entrar na praia.
Está calor e ele alvitra regressarmos à residencial. Eu aceito sem mais delongas. Afinal ele é que manda.
No quarto está muito fresco. Ele despe-se e pede para eu fazer o mesmo. Não preciso de dizer mais nada. É isso mesmo que estão a pensar.
Vamos tomar banho. Vestimo-nos e saímos para a rua. São 18h.
Andamos pela beira do mar, num caminho feito de madeira que nos leva à outra ponta da praia.
Tira-me muitas fotos nesse passadiço. Eu estou muito alegre.
Vamos jantar ao restaurante junto da praia. Dali vemos o pôr do sol.  Digo que gosto muito de, andar  descalça, na praia molhada e sem ninguém a olhar para mim.
Encaminhamo-nos para lá.
Tiro os sapatos e ando descalça ao longo da praia. Parece que ganho o meu primeiro brinquedo de criança. Ora ando pela areia molhada ora pela seca Ele acompanha-me muito feliz e de mãos dadas comigo. Já é escuro e retiramo-nos.
Os meus pés estão cheios de areia. Tento retirá-la, mas não consigo. O Pedro coloca o cigarro no canto da boca e começa a retirar, com muita calma, as areias todas. Nesta altura ainda fuma. Eu pergunto onde aprendeu a fazer isso. Ele responde que teve crianças e tinha que lhes tirar a areia quando vinham da praia. Eu rio muito e nem dou pelas poucas pessoas que passam por nós e olham admirados e surpresos.
Regressamos à residencial. Tomamos banho e brincamos, animadamente, durante o mesmo.
Vestimos os pijamas, dizemos adeus aos nossos cônjuges e ficamos a ver televisão.
Termina, assim, mais um dia em São Pedro de Moel. 



1 comentário:

Princesa disse...

"Há sempre uma solução para qualquer situação que você criou. Silencie a sua mente e pergunte ao seu coração se há um caminho diferente que você possa escolher, para chegar onde gostaria de ir."