Sexta, 25 de Março de 2005
Estes são os comboios que fazem o caminha entre Sintra e algures até Colares. Nos anos setenta iam até à Praia das Maçãs. Andei muito neles quando o meu pai tinha uma casa de veraneio nesta linda praia. Uma casa que ficou para a minha irmã mais nova. Ela aproveitou a antiga arquitectura e remodelou. Foi nesta praia que eu me ia afogando se não fosse a prontidão dos salva vidas, como se chamavam na altura. Por isso, hoje sou hidrofóbica. Não consigo meter os pés num sítio que tenha muita água.
Mais um dia em que o Fernando Pedro Cachaç** Marques me telefonou logo pela manhã.
Ele adorava a minha maneira de falar com a esquelética nova no maxilar inferior e superior.
Eram 08h35m23s quando o telefone começou a tocar. Eu já estava levantada e com a minha mãe tratada. Eu ainda não tinha tomado o meu pequeno-almoço.
Atendi com a elegância de sempre, embora com uma voz monocórdica.
- Estou sim, faz favor?
- Tens uma pronúncia que me dá vontade de rir, mas não deixes de falar até te habituares a corpos diferentes na tua boca. Dormiste com elas?
- Dormi, mas tive dores. É até me habituar. Tenho uma coisa para te contar da minha mãe.
- É boa? Vai embora?
- Não. Ontem depois de nos despedirmos e entrei no carro disse que " sabia que éramos amantes, mas que não dizia a ninguém". Fiquei sem fala. Afinal tem momentos lúcidos. Tenho que ter muito cuidado.
- Não ligues. Hoje já não se recorda. Tenho um pedido a fazer-te. Nem dormi a pensar nele.
- Se eu puder fazer!!!
- Podes. É só quereres.
- Então diz lá o que é.
- Quero pedir-te que cases comigo ainda este ano.
- Estás doido? Não posso. Nem penso nisso e tu sabes a minha posição a esse respeito.
- Mas eu estou doido por ti. Não sei viver de migalhas e longe de ti.
- Pedro tem calma. Ainda tens a Clau*** Raq**** que precisa muito de um pai. Não podes abandonar o lar. E a casa?
- Está no nome dos dois e não somos casados. Já andei a ver os meus direitos.
- Não pode ser, Pedro. Tens que pensar na tua filha.
- E já pensei como fazer. Diz que queres casar comigo...
- Mas isso é um absurdo. Eu não posso aceitar. Não quero deixar o meu marido.
- Pensa nisso. Eu sei ser paciente. E não vou desistir, acredita.
- Não vai dar certo. Tu serás muito carinhoso nos primeiros tempos, mas depois, pões-me a andar.
- Nunca isso vai acontecer. Amo-te e não posso viver longe de ti. Hoje a tua empregada vem todo o dia?
- Não. Só vem da parte da tarde. Porquê?
- É para saber se posso telefonar ainda de manhã.
- Ok! Mas se não atender, é porque estou a tratar da minha mãe.
- Eu volto a tentar. E agora beijokinhas doces, molhadas, ardentes, meigas e que só tu sabes dar. Só de me lembrar, dá-me uma vontade de ir ter contigo e afogar-te neles.
- Beijinhos e não penses de mais.
Quando desliguei, senti um murro no estômago. Ele só podia estar a gozar comigo... Não poderia ser a sério. Estava a gozar-me e a testar a minha capacidade de nem sei o quê. Mas tentei desligar e falei muito com a minha mãe. Falei, falei mas não obtive resposta. De vez em quando dava uma gargalhada insane e não me olhava nos olhos.
A manhã ia passando e eu até já tinha esquecido o "pedido de casamento".
O telefone voltou a tocar e eu fui atender. Era o Pedro. Eram 11h23m12s
- Estou sim, por favor?
- Meu Amorzinho, sou eu. Tenho estado a manhã toda a pensar na nossa felicidade juntos pra sempre.
- Mas não há "para sempre", Pedro. Tira isso da tua cabeça.
- Eu sou solteiro e tu pedes o divórcio. Fazemos uma cerimónia simples, mas muito amorosa. Já pensastes como seria tão bom. Tu e eu juntos pra sempre...
- Pedro eu não quero casar nem deixar o meu marido e não posso ter esta conversa em frente da minha mãe. Ela ontem disse aquilo...
- E é mentira?
- Olha, infelizmente, não é. mas tenho que ter mais cuidado.
- Amorzinho pensa na felicidade que me davas. Era maravilhoso. Eu tratava-te como uma rainha.
- Nem sei, já, o que te dizer.
- Pensa, mas pensa bem. Eu vou sempre insistir. Até tu dizeres que sim.
- Olha são horas de dar o medicamento à minha mãe para a preparar para o almoço. Tenho que ir. Desculpa.
- Não tens que pedir desculpa. Já pensastes que ela poderia vir viver connosco?
- Calma. A minha mãe está ao cuidado das filhas. E eu não aguento isto para sempre. Ela um dia deixa de se levantar e eu não estou credenciada para tratar dela.
- Depois pensamos nisso quando casarmos.
- Bem, vou desligar. Ela precisa de mim.
- A tua empregada está até que horas?
- Até às cinco. Porquê?
- Volto ainda hoje. Beijinhos só nossos. Hum! Tão bom.
- Beijinhos e até logo.
Nem almocei como devia ser. Toda eu estava em pânico e não sabia como tirar-lhe a ideia do casamento da cabeça. Tratei da minha mãe e ela continuava sem dizer uma palavra. Almoçou bem e os comprimidos também os tomou sem problemas.
Estava a Glorinha a sair quando o telefone começou a tocar. Mudei de fisionomia e a Glorinha perguntou se eu estava bem. Respondi que sim, apenas cansada. A Glorinha saiu e disse-me se precisasse, que lhe telefonasse que ela vinha logo. Lá saiu e fechou a porta atrás de si. Olhei pela janela para ver se ela saía o portão. Entretanto o telefone deixou de tocar. Fiquei aliviada e a pensar que ele já não telefonaria a pensar que a Glorinha ainda estava. Mas o alívio durou pouco tempo. Eram 17h25m11s quando voltou a tocar. O meu coração ficou atrofiado e nem sei como fui capaz de atender.
- Estou sim, faz favor?
- Amorzinho já estás sozinha?
- Claro. Senão, não atendia.
- Então tens pensado no meu pedido?
- Pedro não comeces. Estou muito cansada hoje.
- Mas não vou desistir. Amanhã é sábado e não podemos falar, mas volto a falar assim que for oportuno. No domingo vou festejar os anos junto com a Ver** Mónic***. Estarei sempre a pensar em ti. A tua prenda foi a mais bonita que recebi. ( Estava-me a mentir. Dissera-me que só tinha tido a minha prenda e a prenda da mãe )
- Mas tiveste mais prendas?
- Claro. Fiz anos.
- Então não tiveste só a minha e a da tua mãe? ( Acho que se recordou do que tinha dito e respondeu com a maior displicência ).
Ah! Não te disse? Elas deram-me prendas esta semana. Foram prendas sem qualquer significado para mim.
- Não me tinhas dito nada. Estás a ver porque não quero casar contigo? Dizes que sou prioritária na tua vida e não me contas tudo. Sem confiança, não pode haver casamento. Não tenho confiança em ti.
- Amor foi uma semana com muita coisa e isso não tem importância.
- Tem. Se queremos formar um lar, temos que partilhar tudo e não camuflar.
- Eu sei que as desculpas não se pedem, mas desculpa. Foi um lapso que não volta a acontecer.
- Está bem. Tenho que desligar. A minha mãe está a mexer-se. Quer levantar-se.
- Então vai lá. Não vais ao msn?
- Já sabes que não posso. Beijinhos.
- Beijinhos doces e inté!
Nessa noite recebi uma mensagem com desejo de boa noite e que não tinha esquecido o casamento. Não respondi. A minha mãe tinha tido uma saída, ao serão que me deixou petrificada. Dissera que sabia que éramos amantes mas que não dizia nada a ninguém. O meu marido olhou-me com curiosidade e respondeu: - Mãe, eu e a G********* somos casados há muitos anos. Não se recorda?
Mas ela apenas recordava o que tinha visto na estação. Apenas não distinguiu o meu marido do Pedro.