Segunda, 11 de Abril de 2005
Não foi um dia fácil. Foi num lugar igual à foto que eu e o Pedro nos sentámos naquele dia para experimentar o gravador que tinha comprado. Ideia do Pedro para apanhar o meu marido em flagrante. Mas até chegar a esse momento, eu tenho que relatar o que se passou anteriormente.
Como já vinha sendo hábito, os nossos encontros eram à porta do Centro que dá acesso ao Continente. Foi aí que eu esperei por ele com o coração a transbordar de uma ansiedade nunca antes experienciada por mim.
Por volta das 12h ele desceu as escadas e lá vinha todo gingão e com uma confiança que me deu volta ao estômago. Senti vontade de correr e desaparecer por entre as pessoas que se iam aglomerando na entrada para um almoço merecido. Mas fiquei petrificada qual asno que não quer andar por que está a comer a sua cenoura preferida.
Ele, sem sombra de dúvida, vinha alegre e com uma vivacidade que eu não lhe conhecia.
Cumprimentámo-nos com um beijo que não foi sentido por mim. Também não o foi por ele, mas eu achava que o sentiria pelo prazer de ser homem, indubitavelmente, sabujo.
Pegou na minha mão e arrastou-me, literalmente, para dentro do Centro. Eu era um espectro que seguia a sua sombra sem haver sol. Subimos as escadas rolantes. Ele falava, mas eu não o ouvia. Pensava na maneira de me livrar da pedincha do dinheiro. Era primordial para mim que ele acreditasse e me deixasse em paz.
Já na área dos restaurantes, fomos pôr-nos na fila para levar uma malga de sopa. Ele disse que não queria um almoço prolongado porque tinha imenso para falar comigo. Eu levei sopa e ele uma taça de salada de fruta. Pouco comi ou nada. Ele dava-me papaia porque sabia que eu gostava imenso.
Depois seguimos para o nosso refúgio " o jardim ", lugar onde pouca gente andava àquela hora.
Então pediu para que eu falasse primeiro. Senti um rubor no rosto e pensei que a minha máscara iria cair a qualquer momento.
Falei que o meu marido andava num esquema de jogo. O papel que eu assinara, quando estive doente, fora para levantar dinheiro para pagar a dívida do jogo. Também descobrira que o meu marido tinha negócios ilícitos com a minha cunhada, mas que me tinham faltado pormenores por que eles falavam em código. Era a minha mentira planeada há vários dias. Não ousava olhar para ele com receio que não acreditasse. Porém, disse-me que ambos estávamos com problemas, mas que se nos uníssemos, seria possível sair deste pesadelo. Foi um alívio para mim pensar que ele tinha acreditado na minha mentira tão credível e bem moldada para a altura. Então, começou a falar que tinha um amigo que era da judite ( Nome vulgarizado para Polícia Judiciária ). Eu arregalei os olhos e perguntei, na minha santa ignorância, o que era a "judite". Explicou-me e disse que iria alertar o amigo para averiguar se havia jogo ilegal em A*********. Depois falou, com muita segurança, que era melhor eu comprar um gravador pequeno para ter no bolso e gravar as conversas entre a minha cunhada e o meu marido. Ambos iríamos descodificar logo que eu tivesse apanhado algo. Aqui fiquei um pouco amedrontada. Não se passava nada entre o meu marido e a minha cunhada. Também nunca iriam pegar o meu marido porque ele não jogava.
Pegou na minha mão e levou-me à Worten. Vimos vários e a escolha caiu num muito pequeno e que cabia num bolso sem ser descoberto e passar despercebido. Comprei-o e fomos para fora do Centro. Sentámo-nos num local igual à foto que postei. Não deitava água e estava um sol convidativo para a converseta, como ele lhe chamou.
Foi ele que ligou o gravador e o pôs a funcionar. Depois deu-me um beijo muito repenicado que ficou gravado. Ainda tenho essa gravação. Fui dar com ela quando fui para ouvir outra gravação que fiz de uma conversa que tive com ele e que me disse que tinha entrado na minha conta bancária para ver os movimentos registados pelo meu marido. É crime, mas não usei quando fiz queixa. Talvez ainda me sirva para alguma coisa.
Aqui começou a falar da situação em que se encontrava. Estava decidido em mandar arranjar o carro e depois logo se via. Disse-me que eu tinha dinheiro no BES. Fiquei suspensa no ar com esta revelação. Como é que ele sabia disto? Como sabia que eu, ainda, tinha dinheiro? Falou que perguntou e que um amigo o tinha ajudado. " Tens dinheiro e não me venhas com tangas. " Foi o que me respondeu.
Não havia saída para mim. Mas redargui que nada me levava a crer que lho pudesse emprestar. "Isso é o que vamos ver", respondeu com um ar de vencedor.
Perdi as minhas forças e pensei que ia desmaiar, mas lá me recompus. Levantei-me, abruptamente, e disse que estava na hora de ir apanhar o comboio.
No regresso chorei todo o caminho.