terça-feira, 23 de maio de 2017

Pedir para pagar por fases!



A minha vida é uma dobadoura. Com o Fernando Pedro nunca sei quando me chama ou me afasta.

Quarta, 17 de Agosto de 2005

Mais uma noite que não durmo. Penso e repenso a minha vida e a possibilidade de ajudar o Pedro na sua difícil situação.
Por muito que abra os meus horizontes, não vejo saída e fico horrorizada sem saber o que lhe pode acontecer.
Como não quero acordar o meu marido com o meu voltear na cama, levanto-me e venho para a sala. Aqui revejo cada momento maravilhoso que passei com o Pedro. Cada carícia, cada beijo, cada olhar apaixonado, cada jura de amor dita com o mais puro dos sentimento...
Choro muito. As minhas faces já me doem de tanto limpar as lágrimas que teimam em correr. Penso, que as lágrimas entristecidas que caem dos meus olhos fazem um lago à minha volta. Não quero pensar o pior dos cenários, mas penso.
Irrito-me e levanto-me.
Dirijo-me ao jardim e fico, na cadeira a baloiçar e a estudar o caso minuciosamente.
O dia começa a clarear e nada vislumbro para lá da teia escura que envolve o caso que me tira o sono.
Encosto a cabeça e fico naquele letargo. Nem cá nem lá. Já não sei que pensar ou fazer. Esgoto todas as hipóteses que me pareciam plausíveis.

Há um barulho enorme que me chama à realidade. Olho estupefacta e vejo a silhueta do meu marido. Fico atónita. O meu Half começa a latir de contente por ver o dono. Eu nem comento.
O meu marido não reage. Beija-me e faz-me umas carícias:- Vai deitar-te. Tens cara de quem não pregou olho. Mas... mas que é isso? Tens a cara toda vermelha e parece que vai rebentar!!! Queres ir ao hospital?
- Não. Não me sinto doente. Apenas não dormi. Vou tomar o pequeno-almoço e um duche. Depois logo se vê como fico.
Levanto-me sem mais palavreado. Nem sequer sei o que posso relatar se houver algum interrogatório.

Nunca tomo o pequeno-almoço com o meu marido quando está a trabalhar. Sabe-me tão bem que menciono isso e ele ri a bandeiras despregadas: -Tens que ter mais insónias para que o insólito  deixe de existir...
Rio muito e afasto, por momentos, as minhas preocupações.

O meu marido sai e eu volto para a cadeira. O relógio marca 07h45m56s.-Será que vai telefonar? Como teria corrido a conversa em família? Que ficou resolvido? Perguntas sem respostas, por enquanto.

08h10m48s

- Estou sim, por favor?
- Hoje não tens voz de quem acordou agora. Que se passa?
- Pergunta sem resposta. Ou talvez até tenha. A tua preocupação é a minha. Estou confusa, medrosa e sem raciocínio.
- E não dormiste ou acordaste cedo?
- A primeira opção. Como foi a reunião da família ontem à noite?
- Ah! É isso?
- E não é suficiente? Ou resolveram o assunto?
( Estúpida de mim que não me apercebi que já não se recordava da conversa... )
Estás a brincar comigo? Ou sou eu a estúpida?
- Não. Nada disso. Só não quero que te preocupes. O assunto ficou sem solução. Ninguém tem dinheiro.
- E a Zé? A mãe dela?! Não dizes que o padrasto é da marinha!!! Talvez pedindo à mãe te possa ajudar.
- Não posso falar pelo telefone. Queres vir ter comigo? Assim ficávamos juntos e falava-se no assunto.
- Estás a trabalhar?
- Só de manhã. Tiro a tarde para estar contigo.
- De acordo... Beijinho e vou já...
- Não precisas vir a correr. Eu saio ao meio-dia.
- Ok! Vou no comboio das 11..
- Beijokinhas de mel e gulosas que te dou mais logo.
- Eu também. Até logo. Beijinhos
- Inté!
( Era a maneira que se despedia de mim " inté ". Mais tarde era " fica bem " mas já não andava comigo.

Como preciso de comprar umas linhas para acabar a toalha que estou a fazer, levanto-me e saio.

Antes do meio-dia estou no sítio do costume. Olho para as escadas e vejo-o com o porte de sempre. Não mostra preocupação como nos dias anteriores. Fico de queixo caído. Afinal o que se passa?
Enquanto me beija efusivamente, eu pergunto num sussurro: - Não estás preocupado?
- Não posso mostrar preocupação. Ninguém deve perceber.
- Então eu também não mostro...


Enquanto almoçamos, falamos de tudo menos do que tanto me aflige. E a ele, penso eu.
Vamos para o mesmo jardim de sempre. Está lá muito fresco e podemos estar sossegados porque quase ninguém passa por ali .


Então começa a falar e conta como foi a reunião. Uns aos gritos, os outros a dizer que não têm nada com o assunto e todos a dizer que não há dinheiro.
Depois sai-se com esta: - Se não pagar, vou preso. Vais-me ver à cadeia?
- Credo! Que pensamento!
- É o mais seguro dos pensamentos. É para lá que vou.
- Não vais nada. Ainda se arranja o dinheiro.
- Tu?
- Sei lá... Talvez!
- É por isso que gosto tanto de ti. Fazes tudo para me salvares...
- Se fosse o contrário, tu não fazias?
- Claro, meu amor. Não te queria ver presa.
- Vamos ver. Não deitar foguetes antes do tempo. Vou pensar como...
- Olha que se eu não pagar, vou para as Mónicas!
Não vais nada. Eu não deixo. Podes pagar por partes?
- Não sei. Vou perguntar...
- Para mim, era mais fácil.
- Eu pergunto e depois digo-te. Mas não sei... Amanhã ainda não sei. Tenho que pedir umas horas para ir saber isso.
- Estica bem. Junto não tenho hipótese.
- Mau! E se não deixarem?
- Não sei. A sério que não sei.
- Lá vou eu para as Mónicas...
- Não agoures. Pergunta. Quem não pede, não ouve Deus.
- Já agora que querias ir para freira, pede lá ao teu senhor...
- Não gozes!
- Não. Estou só a brincar.
- Brincadeira de mau gosto. Até parece que não te preocupas.
- Não digas isso nem a brincar. Esta noite nem dormi.
- Até parece! Tens uma cara toda desenxovalhada. Já olhaste bem para mim?
- Porquê? Devia?
- Tens estado sempre a gozar-me. Se calhar nem me preocupo mais e tu que te desenrasques.
- Ajuda-me, por favor...
- Vamos ver. Pede para ser em prestações. É muito dinheiro para te dar todo duma vez...
- Ok! Você manda... Não tens um comboio para apanhares?
- Tenho. Que horas são?
- Horas do comboio.
- Vamos depressa. Não o posso perder.

Corremos a toda a brisa. Já o comboio estava na estação.
Despedimo-nos como de costume e eu vim para casa com o dobro da preocupação...

 

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