sexta-feira, 22 de abril de 2016

Nunca teve coração!

                           Terça, 3 de Maio de 2005


Um aspeto da praia da Lagoa de Santo André. 
Neste segundo dia, levantámo-nos cedo. O Pedro acordou primeiro que eu. Diz que ficou a olhar para mim, extasiado, a ver-me dormir com tanta serenidade. Não tinha e nunca mais teria. Ele roubou-me toda a dignidade que me restava. Receava ir ver à minha carteira os vinte€ que me faltavam. Estava implícito, de vezes anteriores, que ele me tirava o dinheiro para pagar o almoço. Tomámos banho e o pequeno almoço. Depois sentei-me na cama e quis falar com ele. Eu estava, indubitavelmente, certa que ele não acreditaria em mim. Porém comecei a narrativa da tentativa do suicídio em Abril. Ele escutava atentamente e bebia cada palavra que saia da minha boca. Vi que tinha sido um balde de água fria que lhe tinha caído em cima, mas não abrandei. Continuei até ao fim cada pormenor e detalhe sem vacilar. Quando eu acabei, ele falou, muito consternado: Já viste como eu ficava?
Respondi que nunca chegaria a saber. O telefone tocava e como ninguém respondia, ele desistiria.
- Engano teu. Tua filha teria que me explicar e eu iria a tua casa para saber o que se tinha passado.
Abraçou-me e beijou os meus olhos com sentimento. Pensei que estava a ser sincero. Todavia, hoje reparo o quanto me enganei a seu respeito. Ele nunca teve nem tem coração. Apenas ganância por dinheiro e viver acima das suas possibilidades.
Fomos almoçar ao Chez Daniel. Um almoço de peixe. Foi arroz de marisco. Não comi muito. Estava perturbada com o assunto do suicídio. Paguei eu, o que já se tornara um hábito.
Andámos a visitar os arredores. Tudo era bonito e eu comecei a ficar encantada e soltei-me. No regresso, deixámos o carro à beira da praia e caminhámos, descalços,  até bem perto da água. Havia muitas dunas. Numa delas, o Pedro, embrulhou-se comigo e ambos caímos. Beijámo-nos com sofreguidão. Era como se não nos beijássemos há décadas. Ele acariciou-me e disse que seria bom fazer amor ali mesmo. Eu nunca me dei bem com a areia. Portanto, não quis. Ficámos ali a ver o pôr do sol. Sempre adorei e ele mimava-me com isso.
Os meus pés vinham cheios de areia e eu sentia-me incomodada. Sentei-me para tirá-las, mas ele, com paciência, apanhou nos pés com carinho e  removeu as areias todas calçando-me em seguida. Fiquei sensibilizada e agradeci quanta gentileza. Mal sabia eu que ele estava a preparar o caminho para me pedir dinheiro. Mas não falou nisso. Por vária vezes tentei saber o porquê de não levantar o seu "Mimo" da oficina, mas ele desviava a conversa para coisas mais agradáveis.
Quando chegámos a casa fizemos amor e tomámos o nosso banho em conjunto. Ele acariciava o meu corpo ao passar por ele a minha luva de banho cheia de espuma. A banheira era um cume de espuma e nós enterrávamos o nosso corpo nela e  sentíamo-nos possuídos de uma melancolia que nos elevava ao êxtase.
À noite jantámos o que restava. No dia seguinte já era hora da partida.
Vimos televisão no canal Odisseia. Ele adorava ver um programa sobre inspetores que desvendavam crimes. Comentava comigo e ia seguindo o raciocínio da lógica. Contudo nunca era o desfecho da série.
Mais tarde telefonámos para os nossos apêndices. Ele falava sempre com as filhas.
Lavámos os dentes e fomos para a cama dormir. Era assim que terminava mais um dia.

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