sexta-feira, 3 de julho de 2015

Não houve surpresa

Sábado, 6 de Novembro de 2004
 
10h15m10s
 
Como ficou combinado, fui ter com o Fernando Pedro ao Centro Vasco da Gama. Ia curiosa para saber qual era a surpresa que me tinha reservado. Porém, não houve surpresa nenhuma e deu-me uma desculpa que eu achei plausível.
 
 
< Quando eu cheguei à porta do Centro já o Pedro lá estava.  Vi-o junto à barraquinha a beber um café. Assim que me viu, pousou a chávena no balcão e veio ao meu encontro com aquele ar de gingão. Sorriso nos lábios e meteu as mãos nos bolsos das calças claras. Desde que nos conhecemos, eram sempre as mesmas calças que lhe via vestidas.
Abraçou-me e beijou-me com euforia. Senti-o tenso, mas não sabia porquê. Perguntei-lhe se estava tudo bem ao que ele respondeu que não. Quis saber a causa de tamanha tensão e disse-me que não me podia fazer a surpresa porque o carro não estava pronto. Tinham ficado de lho entregar na sexta e não o fizeram. Por isso, não haveria surpresa. Eu que o desculpasse. Claro que o pus à vontade e nem quis saber o que era a surpresa. Apenas referenciei que o mais importante era estarmos juntos e ele anuiu.
Atravessámos o Centro e fomos para a rua. Estava muito frio, mas não chovia, pelo menos. Percorremos o caminho até ao jardim de mãos dadas e apertadas. De vez em quando, levava a minha mão à boca e dava-me beijinhos e dizia que estava muito feliz. Eu também me encontrava muito feliz. No jardim ficámos juntinhos e beijámo-nos muito. Foi até nos sentirmos saciados. Depois começámos a andar de mão dada e a conversar. Disse-me que iríamos falar sobre os nossos caracteres. Eu anui e o primeiro a falar foi ele. Disse-me que eu era mentirosa e que não acreditava muito no que eu dizia. Senti-me magoada e deixei cair a minha mão que estava agarrada à dele. Afastei-me e disse-lhe virando-me para ele: - Se pensas isso, é melhor cada um seguir o seu caminho. Não quero uma relação assente em mentiras. Aqui o mentiroso és tu. Já te apanhei em várias mentiras e não te reneguei.
Ficou muito sério a olhar para mim e pediu-me desculpas. Era altura de lhe dizer que " as desculpas não se pedem, evitam-se" como ele me dizia tantas vezes. Eu ripostei com amargura e disse que se era mentirosa, não me tinha custado arranjar uma mentira ao meu marido para sair na próxima semana com ele. Por acaso quem tinha arranjado um estratagema tinha sido ele, o Pedro, que alvitrou a discussão para ser o tema do meu afastamento durante uma semana sozinha. Mais uma vez me pediu desculpa, mas queria ter a certeza que eu não lhe mentia. Senti-me triste e indefesa. Ainda andei uns passos para me afastar dele e ir à minha vida e deixá-lo ali plantado com as suas inseguranças. Correu atrás de mim e apanhou-me por um braço e beijou-me com avidez dizendo que acreditava, plenamente, em mim. Foi um dos dias mais negro da minha vida. Outros viriam em que o Pedro me deitaria abaixo sem dó nem piedade. Nunca ninguém me tinha acusado daquela maneira. Era integra e o meu maior disparate até então, tinha sido ter-me metido com ele. Senti-me humilhada e desprezei-o com todas as  forças do meu coração.
Mas ele era bom naquilo que fazia. Fez-me sentir novamente positiva e comecei a relaxar.
Eram horas de almoço e disse-me que, nesse dia, iríamos almoçar no Centro. Num restaurante onde eu não tinha ido de certeza. Pensei para comigo que era esse o dia que me iria pagar o almoço.
Fomos ao " comida a peso " e ele passou para a minha frente e apanhou um tabuleiro. Aí vi logo que quem pagava o almoço era eu, já que estava atrás. E assim foi. Ele meteu no prato tudo o que queria comer e quando chegámos à caixa, olhou para mim e disse: - Vou arranjar uma mesa só para nós os dois.
E saiu. Vi-o afastar-se e a menina que estava na caixa perguntou-me se pagava eu os dois almoços. Anui com a cabeça e senti-me triste. Mas paguei e fui juntar-me a ele. Comi pouco. Aquela reação dele, tirou-me a fome.
O resto do dia decorreu com normalidade. Falámos muito e eu contei coisas sobre a minha família. Contei coisas que não devia ter contado. Eram coisas que só a mim me diziam respeito, mas confiei nele para mal dos meus pecados.
Na hora de nos despedirmos, senti-me triste por ter que o deixar. Não sei o que ele me fazia, mas eu sentia-me bem junto dele. Ele magoava-me, mas, também, me fazia sentir segura. Era um misto de sentimentos que não sei explicar.
Já no comboio, pensei no que me tinha feito e senti, novamente, a vontade de não ir com ele para Porto Covo. Mas a outra parte, fazia-me sentir com vontade de o seguir para todo o lado. Sentia-me confusa e era complicado perceber-me a mim própria.
Cheguei a casa antes do meu marido e vesti-me com roupa de trazer por casa para ele não desconfiar que eu tinha saído. Eu sabia que o meu marido não reparava em mim, mas valia a prevenção. À noite recebi esta mensagem do Pedro: " Foi bom estar contigo. Amo-te mais que ontem. Beijinhos molhados. "
Eram estas coisas que me faziam acreditar nele. Deitei-me a pensar que o Pedro tinha tirado a prova dos nove comigo.

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